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Saturday 21 March 2020

Pôr fim ao teto de gastos é a saída ?


"Jesus disse-lhes: “Guardai-vos com cuidado do fermento dos fariseus e dos saduceus” ".
São Mateus, 16:6




André Lara Resende1, ao lado de Gustavo Franco e mais alguns poucos, constitui-se num dos mais respeitados economistas do país. Em entrevista à Folha, em 15mar20, dizendo manter contatos com “lideranças políticas”, em que é citado Rodrigo Maia, mostrou ser mais um da turma keynesiana. Um típico “quantitative easier” que advoga por gastos públicos com endividamento sem restrição ou limite. Diz ele : - “. . . Estados que emitem moeda . . . Podem gastar  quanto quiserem . . . até o limite em que consumo e despesas de investimento não pressionassem a capacidade de produção”. 


Defende que “O Banco Central tem o poder de definir a taxa de juros abaixo da taxa de crescimento econômico. Com isso a dívida cresceria menos do que a economia, e os donos do dinheiro não teriam para onde fugir, a bom preço” e “. . . garantindo assim que a relação dívida/PIB não irá explodir, ainda que haja déficits fiscais a curto prazo”. E que com base na crise de 2008, governos emitiram títulos, expandindo suas bases monetárias superior a 15 vezes e sem provocar inflação : - “O experimento do chamado “quantitative easing” salvou o sistema financeiro e implodiu a macroeconomia estabelecida”.  Movido pela desculpa da pandemia de coronavírus para levantar a bandeira de liberação de gastos, em consonância a outros economistas inconseqüentes, defende “ação coordenada das políticas monetária e fiscal”.

Meus apontamentos :
(1) Muitos economistas, após a segunda-feira, 09mar2020, em que o mundo foi surpreendido com a queda de cerca de 30% no preço do petróleo, e em meio ao vírus chinês, partiram para a defesa da eliminação do teto de gastos. De que, por conta do vírus chinês, o governo deveria lançar-se a imprimir dinheiro. Se "gastos do governo" fossem a solução para a "capenga economia brasileira", a solução keynesiana proposta teria transformado o Brasil numa potência, pois foi exatamente o que existiu, em excesso, causando elevada margem de endividamento público (multiplicação por 6x) ao longo de 14 anos de PT. 


O teto de gastos foi justamente a ação empregada para estancar (além da brutal corrupção) o déficit público e seu ulterior endividamento, a cujos juros estavam fazendo o país entrar em trajetória explosiva (isto é, em situação de insolvência financeira e orçamentária).


(2) Em que pese o período em meio ao vírus chinês, circunstância à qual são necessários cuidados e atenção por parte dos governos estaduais e União, não é hora de economizar em se tratando de população, da sociedade como um todo. Deve, portanto, o governo federal remanejar recursos de outras áreas do orçamento visando atender demandas urgentes dos principais ministérios envolvidos, o de Saúde e alguns correlatos, Economia (para atendimento à indústria) e Justiça (para demandas de segurança nacional), por exemplo. Remanejar é o primeiro passo administrativo comparativamente a gastar emitindo dinheiro que não se arrecadou. A meu ver seria compreensível a preocupação. 
Mas Lara Resende, Monica de Bolle, Pochmann e outros partiram não para proteger a população, mas, oportunisticamente em meio à pandemia, defenderem a eliminação do teto de gastos e emissão de dinheiro sem limite para a infra-estrutura (em que hospitais são parte integrante). Não houve da parte de tais economistas promoção específica de investimentos neste setor. Tampouco há lógica a emissão espúrea de dinheiro. Devem ser construídos mais deles, haja visto a rede pública hospitalar não ter acompanhado o crescimento demográfico nas últimas décadas. Remanejamento orçamental é mais racional que exasperar-se ou agir por oportunismo;

(3) A heterodoxia keynesiana pauta-se unicamente em intervenção de governo com gastos e criação de moeda via endividamento. A justificativa é a de alocação racional de recursos com base em “critérios técnicos” para justificar unicamente intromissões e regulações econômicas com propósitos de promover Wellfare State (Estado de bem-estar social), ou, em outras palavras, sem a beleza de falsos eufemismos, um Estado socialista;

(4) Fato histórico mostrou que a adoção de política keynesiana de gastos e endividamento nem sempre é eficaz em realidade. Como exemplo, após a crise de 1929 nos EUA, por 10 anos, entre 1930 e 1940, pouco ou nenhum resultado gerou ao menos no curto e médio prazos, pois na tentativa de recuperação da economia o governo direcionou esforços para a infraestrutura do país, privilegiando o setor de construção civil em detrimento dos demais. A exceção ocorreu quando o país entrou na guerra, em 1941, em que o “esforço de guerra” causou um choque em todo o setor privado do país, aí sim, reativando a economia;

(5) As famílias (bem como o sistema bancário) no Brasil estão altamente endividadas. O que já exclui a hipótese de “endividamento até ao limite do consumo” como apregoado;

(6) O pressuposto para manter emissão de moeda por endividamento é de que haja títulos de dívida com retornos minimamente atraentes, apesar de considerados ativos livres de risco (a depender da classificação de risco de cada país). No caso brasileiro, isso se dá, principalmente, por meio de taxa de juros (Selic). Ao emitir-se títulos da dívida, ainda que com juros reduzidos e abaixo da taxa de crescimento : (a) Quem quererá comprar títulos se se pode investir em negócios produtivos, mais rentáveis, já que a taxa de crescimento da economia é maior ?; (b) Como se financiará, então, o governo sob tal hipótese ?
e (c) Havendo outras economias com juros mais elevados por seus papéis, quem se interessará por papéis da dívida brasileira ? Para tal pressuposto seria necessário que todas as outras economias mundiais também mantivessem reduzidas suas taxas de juros. Como o dinheiro sempre procura quem lhe pague mais, fuga de capitais acabaria existindo, vindo a pressionar a taxa de câmbio, desvalorizando-a, obrigando ao governo à elevação da taxa de juros para estancar tal fuga. Além disso, ciclos econômicos de diferentes prazos (5, 10, 15 anos ou mais) eventualmente ocorrem, causando instabilidade econômica. Em meio a tais cenários ocorre ainda mais volatilidade, agravando o fluxo financeiro, fazendo com que prazos de emissões sejam cada vez menores, exigido taxas de juros cada vez mais elevadas como efeito compensatório. Esse processo conduz internamente a economia a um processo de autofagia. Suprime-se a capacidade de investimento das empresas, que deixam de inovar e perdem competitividade; as exportações se reduzem; empresas tendem a falir; o desemprego aumenta e o governo reduz sua arrecadação, ao mesmo tempo que se torna cada vez maior a participação de pagamento de juros dos títulos, que vem a consumir mais do orçamento, gerando déficits crônicos que necessitam ser refinanciados por emissão de nova dívida, gerando um processo explosivo. Não é possível, portanto, manter-se uma relação dívida/PIB controlada. O argumento é invalidado por sí só;

(7) A simples emissão de títulos a uma taxa de juros atraente deslocaria gastos do setor privado, voltados ao investimento tanto para a ampliação de fábricas quanto de novas plantas industriais (e que carregam elevado grau de incerteza e risco quanto aos seus respectivos retornos financeiros), para a aquisição de tais títulos. A economia como um todo deixaria de investir, crescer e gerar empregos para financiar o governo. Seria uma medida, portanto, concentradora de renda e de desequilíbrio social, pois não promoveria o bem estar da população mas, unicamente, o crescimento governamental;

(8) A questão inflacionária baixa, decorrente da expansão monetária, se deve primordialmente ao fato de que o mundo pós 2008 está endividado e em recessão. Há um razoável grau de desemprego e que repercute com baixa renda populacional. Portanto, por racionalidade lógica, há baixa demanda por consumo, razão da baixa inflação;

(9) Governos expandiram em mais de 15 vezes suas bases monetárias. Mas tal expansão precisa e continua sendo paga. Motivo da baixa capacidade de investimentos dos governos, colocando o mundo em estagnação (ou, nas palavras de Mohamed El-Erian, “os mercados mundiais estão passando por um período difícil que já dura anos2) pois além das amortizações, estão incorrendo no pagamento de juros. Supondo que o governo brasileiro pusesse em prática tais sugestões, mas estando o mundo estagnado, decorrente do elevado endividamento assumido em 2008, bem como pela participação previdenciária de uma população envelhecida na Europa, Ásia e América do norte, ainda que o Brasil aumentasse sua produção, não teria como absorver o excedente produtivo via consumo (pelo endividamento das famílias), tampouco como exportar. Argumentar que o quantitative easing subverteu a teoria macroeconômica conhecida, merece cuidado. Embora tenha sido medida paliativa necessária à época para evitar um colapso econômico, por outro está claro o “arrastar de correntes” macroeconômico deixado como herança aos países que o adotaram, cujos juros e amortizações decorrentes do elevado endividamento vêm comprometendo a capacidade de investimento dos mesmos, bem como o crescimento de suas economias.

Portanto, embora o presente cenário esteja longe de ser o ideal, devemos considerar que choques “cardíacos” para ressuscitar o país tendem mais a causar problemas futuros que imperiosamente virem a favorecê-lo. Diferente do que se tem feito a partir das premissas de Liberalismo Econômico através do ministro Guedes, de crescimento lento porém sustentado, respeitando o aspecto fiscal dos gastos públicos em equilíbrio às receitas. Portanto, nada admissível a aventura, ufanista e psicodélica do keynesianista Lara Rezende, de caráter financeiro pelo Estado sem quaisquer restrições, com investimentos públicos aprovados fora do orçamento e com base no simples aumento da produtividade; uma arapuca !





(1) -  Banqueiro e economista, é graduado em Ciências Econômicas pela PUC-Rio, sendo PhD em Economia pelo MIT - Massachusetts Institute of Technology. É natura do Rio de Janeiro-RJ, nascido em 24 de abril de 1951. Foi diretor do Bacen e um dos formuladores dos planos Cruzado e Real.


Referências :
(1). https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2020/03/liberalismo-primitivo-de-guedes-nao-leva-a-crescimento-diz-lara resende.shtml

(2). Mohamed El-Erian, 09mar2020, Financial Times – Opinião Economia Global - “Como esse colapso do mercado é diferente de 2008 e o mesmo”.



Eduardo Mendonça de Lima
Ex-Aspirante a Oficial pela PMDF, Bacharel em Economia (UCB-1996), pós-graduado em Administração Financeira, e em Análise, Elaboração e Avaliação de Projetos, pela FGV-Brasília (1997 / 1999, respectivamente). Cursou o mestrado em Economia do Desenvolvimento pela PUCRS (2005-2007). Ex-integrante da Unidade de Projetos - Geipot (Min. Transportes) e UAP/ABC (Min. das Relações Exteriores). Atuou em empresas de porte do setor privado. Atualmente é avaliador de Empresas e perito judicial. Foi docente em cursos de pós-graduação em Macroeconomia Valuation. Ex-Conselheiro do Corecon-RS, período 2010-2016.