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Wednesday 14 September 2016

Ética - Parte lll - Filosofia cristã

No período romano (acesse aqui) foi visto que a ética fora duramente influenciada pela decadência política, administrativa e militar, e que além de não ser original e trazer inovação comparativamente à grega, ainda produziu movimentos de filósofos que carregavam todo este arcabouço de declínio da polis romana, permitindo o surgimento e crescimento do cristianismo como corrente filosófica.

Após Roma ter passado por sucessivos e constantes ataques de povos bárbaros, entre 300 e 800 D.C., sendo eles os francos, hunos, visigodos, ostrogodos, burgúndios, saxões, anglo-saxões, vândalos, lombardos e suevos (1), a queda do Império, pelo esfacelamento político e militar foi iminente em 476 D.C.. 

Porém a ética e valores romanos já vinham sendo gradualmente substituídos pelo cristianismo desde o século ll D.C., por meio de movimentos comunitários denominados patrística (2), cuja principal linha de atuação era a defesa da fé. 

Veio, portanto, o cristianismo preencher um vazio deixado pelo Império Romano com sua dissolução.  E consistiu na crença irrestrita às verdades reveladas por Deus aos homens, expressas na Bíblia, por meio da fé. Nesse ínterim destacou-se Santo Ambrósio (340-397 D.C.), que influenciou fortemente Santo Agostinho, em que afirmava : - "Toda verdade, dita por quem quer que seja, é do Espírito Santo".
Santo Ambrosio

Dessa forma, investigações filosóficas ou científicas, embora permitidas, não poderiam contrariar o dogma católico. Como a verdade já havia sido investida por Deus, caberia apenas a demonstração racional dessas verdades. 

Porém, o convencimento dos descrentes pela razão somente poderia se dar por meio do uso da argumentação lógica, que estava presente, por sua vez, na filosofia grega

E dessa forma, pelo uso da filosofia grega, desenvolveu-se o cristianismo por meio de quatro escolas principais :
 - A dos padres apostólicos (Séc. l e ll); a dos padres apologistas (séc. lll e lV); patrística (meados do séc. lV ao Vlll) e escolástica (séc. lV ao XVl).

Santo Agostinho
Na primeira escola, caracterizada pela disseminação do Verbo, destacaram-se os apóstolos, principalmente São Paulo com suas epístolas, bem como Tertuliano, Ambrosio (já citado), Inácio de Antióquia, Clemente, Basílio e outros. 

Já os apologistas, por fazerem apologia do cristianismo, isto é, diferentemente dos apostólicos, procuraram defender sua crença na forma escrita, em vez da simples retórica oral dos padres apostólicos. As eminências foram Orígenes, Justino e Tertuliano.  

A patrística, já mencionada, embora iniciada no século ll, somente em meados do século lV efetivamente consagrou-se, e ao contrário das escolas anteriores buscou conciliar razão e fé, onde teve por protagonista Santo Agostinho, que fez amplo uso da filosofia neoplatônica, em que a verdade deveria ser incessantemente buscada através do "mundo das idéias", bem como no ceticismo, em que a dúvida adquire caráter permanente quanto aos dados dos sentidos, e que mais tarde resultou no Método Científico. 

São Tomás de Aquino
Por fim, a escolástica, que embora antiga, foi amplamente difundida a partir do século Vlll através da Renascença Carolíngia (de Carlos Magno). Este período foi caracterizado pelo estímulo dado às atividades culturais através do ensino de escolas ligadas às instituições católicas, que passaram a divulgar as obras de Aristóteles e demais conhecimentos greco-romanos a cujas obras permaneram guardadas em mosteiros até então. 

O florescimento efetivamente se deu entre as primeiras universidades, a partir dos séculos Xl e Xll. São Tomás de Aquino foi o maior representante dessa escola, em que sistematizou a filosofia cristã pela interpretação da filosofia de Aristóteles, através das traduções dos filósofos árabes Averróis, Avicena e Maimônides (3), com seus escritos sobre o filósofo grego. 

Sua principal filosofia foi o Tomismo, que buscou conciliar a lógica aristotélica e o neoplatonismo com a metafísica, onde em sua obra maior, Summa Theologiae (1273), expõe cinco provas da existência de Deus, as chamadas Cinco Vias
1. Do movimento e primeiro motor; 2o. A causa eficiente; 3o. Ser contingente e ser necessário e ; 4o. Os graus de perfeição; e 5o. O governo das coisas e a finalidade do ser.  O Tomismo, também pautado pelo Ceticismo, sedimentou as bases para a ciência moderna através do método científico.

Uma passagem curiosa sobre São Tomás de Aquino ocorreu em 1248, quando fora acompanhar o catedrático Alberto Magno, ora pertencente à faculdade de Artes da Universidade de Paris, à studium generale (4) de Colônia. Aquino, conhecido por seu espírito introspectivo e calado, era creditado como "devagar" por seus colegas daquela universidade, ao que o catedrático teria dito em sua defesa :
-  "Vocês o chamam de boi mudo, mas em sua doutrina ele produzirá um dia um mugido tal que será ouvido pelo mundo afora".

Em resumo, no Cristianismo somente por meio do autoconhecimento é possível ao ser-humano, com sua alma iluminada por Deus, atingir a verdade. Ou seja, a verdade somente existe se revestida em Deus. Diferentemente da ética greco-romana, em que para o atingimento da verdade bastava uma vida virtuosa, pelo conhecimento, austeridade física e moral.  

Em função de várias rupturas no decorrer do período medieval (como a Guerra dos 100 anos, a peste bubônica, o cisma da igreja, a criação de novas universidades e a autonomia da filosofia da teologia), que puseram fim ao período medieval, bem como o pós-tomismo, de Guilherme de Ockham, que designou uma separação entre fé e razão, a escolástica foi superada, dando início a um novo período da ética na Idade Moderna, de meados do séc. XV ao XVlll.




(1) - A maioria dessas tribos provinha das regiões da atual Alemanha, Polônia, Dinamarca e países nórdicos, tendo sido os germanos de maioria massiva; 

(2) Trata-se de filosofia cristã que este nome recebeu em função de que foi elaborada pelos primeiros padres ou pais da Igreja Católica, consistindo, portanto, de tudo o que provém dos primeiros teóricos dessa filosofia. E consistiu numa elaboração doutrinal de “verdades de fé” do cristianismo para defesa contra os ataques dos pagãos e hereges que se contrapunham à igreja;

(3) - Esses filósofos tiveram atuação importante na disseminação do conhecimento grego na península Ibérica, em razão da invasão e influência moura sobre esta região a partir do séc. VI;

(4) - No período medieval, era um título concedido a universidades e institutos de ensino pela Igreja Católica, reis e imperadores, ficando dessa forma prestigiados no continente europeu e considerados de excelência internacional. 



Eduardo Mendonça de Lima
Corecon-RS 6.502 
Aspirante a Oficial pela PMDF, Bacharel em Economia, pós-graduado em Administração Financeira, e em Análise, Elaboração e Avaliação de Projetos, pela FGV-Brasília. Cursou o mestrado em Economia do Desenvolvimento pela PUCRS. Ex-integrante do Geipot (Min. Transportes) e Agência Brasileira de Cooperação (Min. das Relações Exteriores). Atuou em empresas de porte do setor privado. Atualmente é avaliador de Empresas, perito judicial e docente em cursos de pós-graduação em Macroeconomia e Valuation. Ex-Conselheiro do Corecon-RS - 2010-2016.

Saturday 4 June 2016

Ética - Parte II - Romana

Dando continuidade (primeiro artigo acesse aqui), pode ser destacado que o apogeu grego apresentou fortes influências sobre os principais pensadores clássicos : - Aristóteles, Platão, Sócrates. O período que vai de aproximadamente o século VII A.C. a 150 A.C. é pródigo na produção de conteúdo. 


Porém, inserido nesse período maior está o Helenismo, que compreende o interregno entre a morte de Alexandre, em 323 A.C. até a completa anexação desse império pelos romanos, em 146 A.C.. Nesta fase de transição, que significou a difusão da cultura grega, do Mediterrâneo até a Ásia Central (próximo à Índia), significou a concretização de se levar essa cultura aos territórios que eram conquistados.  Nesse período a ciência, por meio de Euclides e Arquimedes, teve seu primeiro desenvolvimento.  Sob a égide do império romano, as cidades gregas perdem sua autonomia, e seus exércitos submetem-se ao invasor ficando adstritos a funções administrativas. Restam frustradas, portanto, a questão política e sua democracia, em função da tirania e corrupção, pois a "polis" grega é subvertida por meio do emergente intercâmbio comercial influenciado por Roma.  A fragmentação do império helênico ocorre de forma mais rápida do que fora sua formação.

Vendo frustradas as possibilidades políticas, a democracia corrompida pela tirania, a pólis submetida pela força a um cada vez maior intercâmbio comercial e com influências do Oriente helenizado, e com seus exércitos sob jugo do conquistador, a filosofia grega entra em declínio, onde acaba ocorrendo um retorno ao misticismo (o que geralmente ocorre em épocas de crise), ao mesmo tempo que cria um tipo de sentimento de pessimismo e justificação, resistência e negação da realidade em que vive. Isso explicaria os diversos movimentos de idéias e seitas morais que surgem nesta época (século II a.C.), nas diversas cidades gregas: - O estoicismo, o epicurismo, o pirronismo, o ceticismo e o cinismo.

 
A Ética Romana 
A ética grega produziu enormes reflexos, por ser universalista e etnográfica (devido à expansão territorial). O cidadão grego nesse período começou a refletir sobre a vida pública e consigo mesmo, exatamente o que acontecia às suas cidades (ausência de autonomia, altos impostos, exército sob jugo e em funções administrativas), desencadeando um processo de descrença em seus mais caros valores edificados. Para compensar sua frustração, refugia-se no misticismo e num conceito de "indivíduo" como medida compensadora à sua perda de liberdade pessoal e política, acreditando numa felicidade redentora.

Zenão de Cítio
Os romanos acabaram influenciados por essa apatia grega, não conseguindo reproduzir o brilho dos gregos com nenhuma corrente de pensamento original ou inovadora, limitando-se tão somente à moral (com a adoção dos valores gregos e da filosofia do período helenístico, que prezavam). A população mais simples inclinou-se para a religião e ao misticismo, em meio à inúmeros deuses, enquanto a população mais culta voltou-se para a filosofia. Ativeram-se apenas a um conjunto de escolas e seitas filosóficas cujo elemento era o Koiné (1), que promovia a reunião (sincretismo) das doutrinas grega, romana, judaica e oriental, em que os filósofos romanos mais destacados teriam sido Sêneca (4 a 65 d.C);  Epiteto (55-135 D.C.)Marco Aurélio - imperador romano (161 e 180 d.C.), que escreveu Meditações, destacando-se assim no campo da filosofia, e Apuleio (125-180 D.C.).  

O pouco que produziram refletiu esse sentimento de decadência, impulsionados também pela própria crise de identidade romana conflagrada pela corrupção administrativa e política, bem como pelo próprio estilo degenerado de vida difundido na sociedade, como bem demonstrado pela obra Satiricon, de Petrônio.  estoicismo teve por protagonista Zenão de Cítio (336-263 A.C.), e pregava auteridade física e moral face aos sofrimentos e males do mundo, a chamada apathéa. O atingimento de uma serenidade perante o que nos circunda consoante uma "lei universal do cosmos" que rege a vida. 


Sêneca
Também Sêneca representou essa linha filosófica. Conselheiro de Nero nos primeiros sete anos como imperador romano, foi considerado modelo, vindo a influenciar no desenvolvimento da tragédia na dramaturgia européia renascentista. Tendo sido contemporâneo de Jesus Cristo, conheceu o apóstolo Paulo (Saulo), que era cidadão romano, com quem trocou cartas, cujo intercâmbio teria influenciado na assimilação pelos cristãos, no início do cristianismo, dos princípios estóicos defendidos por Sêneca, observados inclusive em muitas passagens bíblicas, através das metáforas. Tendo se interessado por fenômenos da natureza, tais cartas foram intituladas "Questões da Natureza".
Epicuro


epicurismo, trazido por Epicuro (341-371 A.C.) destacava a procura pelo prazer duradouro, somente proporcionado por uma conduta virtuosa, em que a o supremo prazer seria a natureza intelectual pelo controle dos excessos, das paixões. Assim era atingida a ataraxia, que consistia num estado de espírito de quietude, serenidade, de ausência de dor (aponia), de imperturbabilidade da alma. Foi a base para o hedonismo, linha filosófica que não distinguia os tipos de prazeres. pirronismo, foi formulado por Pirro de Élida - ou Elis - (365-275 A.C.), mas somente fundada no séc. I D.C., mas somente fundada no séc. I D.C. por Enesidemo de Cnossos (2). Prega que nenhum conhecimento é considerado seguro devido a uma incerteza, que seria imanente. O conformismo com o imediato observado pelos sentidos, a aparência das coisas e a vida em felicidade e na paz deviam ser preferidas em vez de uma busca por uma verdade  plena, pois esta seria impossível de efetivamente ser percebida pelo homem como assim lhe parecem.  

Pirro de Elis
Dessa forma, o pirronismo deu origem ao ceticismo (ou cepticismo), que professa a impossibilidade do conhecimento com uma verdade absoluta, caracterizando uma atitude de questionamento diante do conhecimento, de fatos, opiniões ou crenças estabelecidas. Passam a privilegiar o conhecimento com base no empirismo, nas evidência, e dessa forma essa corrente filosófica lança as bases do método científico como assim o conhecemos hoje. 
Antístenes

cinismo teve origens muito antes das demais linhas filosóficas, com Antístenes (445-365 A.C.), discípulo de Sócrates, ao final do século V A.C.. E estendeu-se até ao final do século V D.C, tornando-se um movimento de massa. Proveniente do termo grego kynos ("cão"), essa linha exalta as qualidades dos cães para propor uma forma de conduta humana : - Comem, dormem, procriam, fazem guarda, tudo em público, sendo dessa forma indiferentes a tudo que os cerca. Como animais, são exigentes, distinguindo entre os amigos e inimigos. Com todas essas característica, adotaram tais qualidades como pressuposto de vida em defesa da filosofia. O objetivo era atingir-se a eudaimonia (felicidade) vivendo como cães, sem conforto ou propriedades. 

Diógenes - pintura de Jean-León Gérôme - 1860

Eram extremistas quanto à filosofia de Sócrates de conhecer-se a sí mesmos. Diógenes de Sinope (412-323 A.C) foi quem levou tal filosofia mais arraigadamente, vivendo em um barril, com trapos em seu corpo e pregando pelas ruas de Atenas. Certa feita, Alexandre Magno, entrando em Atenas como conquistador com seus militares, encontrou-o em seu barril, tomando seu banho de sol. Fazendo-lhe sombra, perguntou-lhe o que desejava, que lhe seria concedido qualquer desejo; Diógenes limitou-se a responder que apenas não lhe fosse tirado o que Alexandre não o pudesse dar : 
Sou Alexandre, aquele que conquistou todas as terras. Peça-me o que quiser que eu lhe darei. Palácios, terras, honrarias, escravos ou tesouros jamais vistos. O que você quer, ó Sábio?”; 
-“Senhor, apenas não tire de mim o que não pode me dar”. (3)

O encontro entre Alexandre e Diógenes
Alexandre deixou Atenas sem nunca mais retornar, afirmando entre seus oficiais que : - "Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes"  O cinismo, como o desenvolvido por Diógenes,  foi um precedente para o desenvolvimento do anarquismo filosófico (primeiramente originado dos escritos de Aristóteles), cujas propostas, de ausência de moralidade e ilegitimidade dos governos, entre outros anti-valores, coincidiram e tiveram fulgor cada vez mais com o declínio de Roma, dando origem ao surgimento e crescimento paulatino do cristianismo.



(1) - koiné foi o primeiro dialeto comum supra-regional na Grécia, e chegou a servir como um lingua franca no Mediterrâneo Oriental e no Antigo Oriente, próximo ao longo do período romano. Foi também a língua original do Novo Testamento da Bíblia e da Septuaginta (tradução grega das escrituras judaicas). O koiné é o principal ancestral do grego moderno;

(2) - Essa corrente filosófica foi retomada na na idade média com Al-Ghazali (1058–1111) e  René Déscartes (1596-1650);

(3) - Segundo Raposo, Carlos (2009) - em https://scribatus.wordpress.com/2009/05/11/alexandre-e-diogenes-o-grande-e-o-cinico/




  

Eduardo Mendonça de Lima
Corecon-RS 6.502 

Aspirante a Oficial pela PMDF, Bacharel em Economia, pós-graduado em Administração Financeira, e em Análise, Elaboração e Avaliação de Projetos, pela FGV-Brasília. Cursou o mestrado em Economia do Desenvolvimento pela PUCRS. Ex-integrante do Geipot (Min. Transportes) e Agência Brasileira de Cooperação (Min. das Relações Exteriores). Atuou em empresas de porte do setor privado. Atualmente é avaliador de Empresas, perito judicial e docente em cursos de pós-graduação em Macroeconomia e Valuation. Ex-Conselheiro do Corecon-RS - 2010-2016.



Monday 30 May 2016

Ética - Parte I - Grega

Sempre importante é avaliar sobre valores elevados, que deveriam ser próprios a qualquer um de nós, mas que nem sempre ocorrem. A reunião desses valores pode ser resumida pelo termo "Ética". Considerando fatos ocorridos recentemente junto à profissão e ao conselho profissional que eu representava, cabe reflexionar. A profissão de Economista, a exemplo de todas as outras, é regida por uma lei, a 1.411/51, e a ela se soma uma resolução, a 1.628/1996, que normatiza nossa conduta e estabelece a nossa ética profissional. Mas antes é preciso estabelecer o que é ética propriamente dita.


Desde os primórdios civilizatórios ao presente, muito se ouve falar sobre o tema. Mas o quê é exatamente na prática ? Comecemos pela gênese do termo, que provém do grego "ethos", designando éthikéO termo pode ser escrito em grego de duas formas, cujos significados mudarão consoante a letra aplicada. Se êthos, com a letra grega eta inicial "η" (ἤθηremonta a Homero, século VII a.C., e designará uma forma de viver, a morada, um lugar permanente e habitual, um lugar elevado, conduzindo à raiz semântica da palavra que seriam os usos e costumes, estilo de vida e ação.  

Se éthos tiver seu início pela letra grega epsilon "ε" (ἔθος), será devida sua origem a Ésquilo, dramaturgo fundador da tragédia grega  (525-456 a.C.). E designa aproximadamente o mesmo, porém com a diferença fundamentalmente de que o sentido esteja ligado a um comportamento, uma tradição, no sentido do que é habitual, corriqueiro, usual, etc.   Ética, portanto, é uma transliteração de dois termos a partir de distintas letras gregas, com sutilezas semânticas em que uma designa a forma elevada de viver, e outra, o modo com base na tradição.

Seus expoentes foram Aristóteles, Sócrates, Platão, Epicuro e Sêneca. 

Na ética grega representativa desse primeiro período (399 a 270 A.C), a partir dos filósofos mencionados, vigora uma sociedade regida por princípios de uma aristocracia escravocrata. Os mais fortes, melhores e mais preparados (ou inteligentes) a governam. Não muito diferente do que ocorre nas sociedades atuais. A virtude presumia excelência de valores e ações, que se traduzia em fazer ou atuar de forma adequada e com justa medida. Nesse contexto, o bem ou o mal adquiriam significados distintos comparativamente aos tempos atuais, denotando distintas formas do que era justo e correto.

 
E Aristóteles (384-322 A.C.) introduziu um sistema de justiça que foi disseminado por inúmeros países do mundo antigo, influenciando as leis inclusive nos dias atuais, criando um sistema de justiça geral, a observância da lei propriamente dita, e outro particular, que objetiva realizar a igualdade entre quem age e quem sofre a ação, e sub-divide-se em quatro outras formas de justiça : - Distributiva, correlativa, comutativa e reparativa. Sua mais importante obra, Ética a Nicômaco, divide-se em 10 livros, e alicerça o direito como hoje o conhecemos em suas bases.


Platão e seu Mundo Ideal estipula que as idéias ou formas residiriam no mundo inteligível, fora do tempo e do espaço - e não no mundo sensível ou material. Mas que essa concepção do mundo inteligível produziria tudo o que é existente no mundo material, e segundo quatro propriedades elementares : - A espiritualidade, a realidade, a imutabilidade e a pureza.
  
Também Platão (428-347 A.C.), com sua Alegoria da Caverna estabelece um paralelo entre homens presos a uma caverna cuja única realidade conhecida do mundo são projeções de imagens de outros seres através da sombra pela luz de uma fogueira em seu interior.  Tenciona com essa metáfora conscientizar para a importância da superação da ignorância humana em relação ao mundo que nos cerca através do conhecimento filosófico e da educação.

Já a importância de Sócrates (469-399 A.C.) revela-se por meio do Método Socrático caracterizado pela Maiêutica (o conhece-te a ti mesmo, que induz uma pessoa, por seu próprio raciocínio, ao conhecimento ou à solução de sua dúvida), pela Ironia (levava o seu interlocutor a entrar em contradição, tentando depois levá-lo a chegar à conclusão de que o seu conhecimento é limitado). A Ironia é bem revelada através do "só sei que nada sei". No Método Socrático pode ser resumido como a elevação da ética e da arte de viver, em que o objetivo a ser alcançado na vida é a felicidade.  Não menos importante é seu julgamento, uma verdadeira aula que reúne a essência do que são valores, em que confrontou toda uma Atenas, gerando revolta e repulsa, sendo conduzido aos tribunais por seus excessos. Em disputada retórica contra sofistas, encarando de forma serena seu julgamento, poderia ter convertido sua pena (apregoada por Meleto) em ser alimentado no Pritaneu, enquanto fosse vivo, como herói ou benemérito da cidade. Porém, optou, para não trair sua própria consciência, pela sentença de morte, pelo consumo de sicuta.
Essa mesma sociedade, tempos após, deu origem aos Estóicos (155 - 3 A.C.), que reuniram elementos de crença de que a continuidade pós-morte se dava pela dissolução da personalidade no cosmo. Essa visão, pela influência de Zenão de Cítio, Sêneca, Epiteto e Cleanto introduziu aspectos menos rudes e objetivos à ética helênica ao aceitar a libertação da raiva, da inveja e do ciúme, e até mesmo a tratar os escravos como "iguais aos outros homens, porque todos os homens são igualmente produtos da natureza".  Assim Epíteto considerava ". . .  doente e ainda infeliz, em perigo e ainda assim feliz, morrendo e ainda assim feliz, no exílio e feliz, na desgraça e feliz", em oposição a Cleanto que manifestou que o ímpio é "como um cão amarrado a uma carroça, obrigado a ir para onde ela vai".

Finalizando essa primeira parte, Ética pode ser considerada todo um amplo conjunto de valores consubstanciados na dignidade, senso comum do que é justo e correto consoante nossos princípios e nossa moral, segundo o meio que nos cerca. Soma-se um hábito, uma prática sistemática de nossa conduta. Um propósito de busca incessante de conhecimento, impelindo-nos a romper os limites de nossas "cavernas".  É sobretudo uma forma de viver que nos conduz ao propósito de nossas vidas, a felicidade.

  
Eduardo Mendonça de Lima
Corecon-RS 6.502
Bacharel em Economia, pós-graduado em Administração Financeira, e em Análise, Elaboração e Avaliação de Projetos, pela FGV-Brasília. Cursou o mestrado em Economia do Desenvolvimento pela PUCRS. Ex-integrante do Geipot (Min. Transportes) e Agência Brasileira de Cooperação (Min. das Relações Exteriores). Atuou em empresas de porte do setor privado. Atualmente é
avaliador de Empresas, perito judicial,  e docente em cursos de pós-graduação em Macroeconomia e Valuation. Ex-Conselheiro do Corecon-RS - 2010-2016.