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Thursday 9 November 2017

O ciclo da política nacional

De 8 em 8 anos o país depara-se consigo, buscando um salvador. Cada cenário é pior que o anterior, em que se acreditava ter atingido a lama. O regime militar, por seus 20 anos, teve altos e baixos. Foi um momento de grande pujança econômica, com fortes alianças com Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha, países que em grande medida impulsionaram o desenvolvimento do país tanto pela importação de equipamentos para nossa indústria de base e setor industrial em geral, quanto pelo aporte de recursos de capital estrangeiro produtivo, via implantação de multinacionais. 

Dessa forma, considera-se que sequer se aproximou ou pode ser comparado com a desordem política, institucional e estagnação econômica produzidas ao longo dos demais governos democráticos que o sucederam, em especial a Era PT e sua Nova Matriz Econômica, que levou o país ao colapso pelo qual estamos passando. 


A estabilidade jurídica e ordem institucional assegurou em grande medida que isso se efetivasse. Suas falhas foram a manutenção da economia fechada ao plano internacional e herança inflacionária. 
   


Uma série de vídeos vêm sendo postados pelo jornal Estadão, sob o título “A Reconstrução do Brasil : O que é fundamental”. Saúde, educação e segurança e reformas : Correto ! Mas saliento que, ainda que o novo salvador foque nesses temas, faremos novo vôo de galinha (caso não seja lula e outros, que prometem cubanizar com afinco dessa vez). E os problemas persistirão. 

Nossa malfadada constituição analítica de 1988 é socialista, e o estado de coisas presenciado decorre em grande parte desse elefante branco que ela criou (e que continua crescendo), o agigantamento estatal. O ponto de partida para uma mudança, de fato, é jogá-la no lixo, e produzir outra, sintética, prescrevendo diretrizes essenciais, focadas numa república parlamentarista, com direitos e deveres básicos, defesa sagrada da propriedade privada, bem como previsão de mecanismos republicanos de defesa contra tiranias mascaradas de democracia. 

Para demais questões específicas, normas infra-constitucionais tecendo Estado apenas necessário, proibição de sindicatos, previdência individual e capitalizada, livre comércio e facilitação a um ambiente de negócios internos e externos, proibição de exportação de commodities sem processamento industrial, ausência de estatais e autarquias, tributação simplificada e com carga até 20%, arrecadação privilegiando os municípios, previsão forçada de investimentos em educação, saúde, saneamento e defesa. 

Se tudo fosse integralmente efetivado, num período de 10 anos seriam observados progressos significativos, e, o mais importante, em caráter permanente, deixando 40 anos de pasmaceira para trás. Obviamente, abolir a atual constituição de 1988 em proveito de uma como acima enumerada, além de medidas pró-mercado, formam um cenário utópico ! E contrário à própria utopia socialista que gradualmente temos experimentado desde 1988. Pois o grau de ruptura que seria necessário é impraticável !  

Porém, cabe frisar, por perfeito e preferível que fosse, pouco dele se poderia obter com a atual corrupção política que está espraiada, e que é pré-existente em boa parcela da nossa sociedade. Em sentido contrário, tampouco, com uma sociedade integralmente proba, não seria de todo ruim o pior sistema político e econômico imaginável, se assim fosse possível, de onde ainda se poderiam extrair alguns bons resultados, ainda que insuficientes. 

A questão a ser tratada, nesse ínterim, são eficiência, eficácia e incentivos. O livre mercado, considerado eficiente, ainda que com suas mazelas, induz o cidadão à idoneidade pelo esforço pessoal, o que se traduz pelo mérito. Ele sabe que depende apenas dele, e que precisa obter lucro em suas ações. Para tanto, precisará agir corretamente para tudo, porque isso tanto ser-lhe-á exigido, quanto pela concorrência com os demais iguais a ele. A premiação será o acesso ao conforto material, que ele sabe estar assegurado, porque em seu país há segurança jurídica, estabilidade econômica e ampla inovação no mercado. Ao passo que o socialismo, em sentido oposto, induz, em virtude da burocracia que produz, à proliferação da malandragem e desonestidade, por razões de sobrevivência (econômica, política, funcional, institucional e judicial). 

Até mesmo os incentivos, para um e outro lado, agem de formas opostas. No séc. XIX, enquanto ainda não havia meios de se romper com a escravidão, observava-se elevada mortalidade, acima de 30%, e condições desumanas de tratamento, nas rotas de navios para a américa e Austrália. Foi mudada a forma de pagamento a capitães de navios negreiros. Em vez de ocorrer na origem, passou a sê-lo no destino, com incidência de desconto para cada escravo morto. Isso fez com que o tratamento melhorasse, assim como a alimentação, e a mortalidade foi reduzida a quase zero. 

No Brasil o empresário é pouco incentivado a inovar, mas muito a sonegar, por razões tanto de sobrevivência quanto por um mecanismo chamado REFIS, que parcela em 100 vezes ou mais sua dívida, sem juros. Já parlamentares, a emendar projetos de lei criando programas de duração infinita, para assim obterem acesso a recursos orçamentários. Assim como traficantes são compelidos às drogas e tráfico de armas, haja vista o retorno financeiro vis a vis o risco prisional. Portanto, ao não termos como romper drasticamente com a tendência de crescimento continuado Estatal, é preciso que sejam trabalhados aqueles meios (incentivos) que permitam o surgimento e crescimento das empresas, e com elas, dos empregos, pois são a fonte dos recursos de governo. Em 2018, terá grande margem de vitória o candidato que assim propugnar. 



Eduardo Mendonça de Lima
Aspirante a Oficial pela PMDF, Bacharel em Economia, pós-graduado em Administração Financeira, e em Análise, Elaboração e Avaliação de Projetos, pela FGV-Brasília. Cursou o mestrado em Economia do Desenvolvimento pela PUCRS. Ex-integrante do Geipot (Min. Transportes) e Agência Brasileira de Cooperação (Min. das Relações Exteriores). Atuou em empresas de porte do setor privado. Atualmente é avaliador de Empresas, perito judicial e docente em cursos de pós-graduação em Macroeconomia Valuation. Ex-Conselheiro do Corecon-RS - 2010-2016.



Wednesday 14 June 2017

Mercados financeiros mundiais - Novo estouro de bolha ?

Uma fissão nuclear ocorre a partir do bombardeamento de um nêutron de um átomo contra seu núcleo, que faz repartir o átomo em duas partes, que vem a se chocar com outros dois, prosseguindo até o
processo entrar em colapso. Uma nova bolha financeira mundial está se formando em diversos mercados financeiros, cujas previsões vêem um limiar para entre fins de 2017 e primeiros meses de 2018. Os economistas Mohamed A.El Erian e o suíço Marc Faber (também investidor), e os financistas norte-americanos Bill Gross e Jim Rogers, antevêem esse colapso.

El Erian
Minhas impressões pessoais ? Vamos a elas. Há alguns dias o espanhol Banco Popular (6o. maior) quebrou, em que autoridades monetárias forçaram o Santander a comprá-lo para que se evitasse o pior. A crise na Espanha persiste, enquanto agora recaem sobre títulos do governo italiano, num montante de US$ 1 trilhão. 

Marc Faber
Bancos italianos atingiram seu limite na absorção desses títulos, possuindo uma dívida conjunta de € 235 bilhões (US$ 263 bi), ficando a outra parte em dominância do Banco Central Europeu, BCE, que também já parou de comprar tais títulos. Outra questão diz respeito à China, que mesmo após a crise de 2008, impingiu política de crescimento forçado à base de endividamento, onde um dos muitos resultados foi o surgimento de inúmeras cidades fantasma pelo país, para que se mantivesse o setor de construção civil empregando mão de obra. 

Jim Rogers
Seu mercado bancário, investimentos e exportações foi (e vem sendo) uma cópia fiel do que fez o Japão na década de 1980, onde a cultura da amizade e compadrio, como critério de avaliação de empréstimos a empreendimentos e negócios, próprio da cultura asiática, prevalecia sobre questões técnicas. Em 1991 o Japão enfrentou um colapso financeiro que eclodiu por toda a Ásia. O país encontra-se recessivo (comparativamente ao que desempenhava antes de 1991), mas em recuperação, até os tempos atuais. 

William (Bill) Gross
Nos EUA, o mercado financeiro participa na economia em cerca de 8% do PIB, sendo que em 1947 era de 2,5%. Entre 2000 e 2010 absorveu cerca de 41% dos lucros das empresas. O maior problema está em que neste país as aposentadorias das pessoas são capitalizadas via fundos financeiros, que percorrem bolsas de valores não somente como a NYSE ou Nasdaq, mas bolsas globais em busca de ganhos financeiros, e neste processo acabam se enredando na aquisição de títulos de governos de países europeus, da China e América do Sul). 

Por aqui nossos bancos seguem altamente endividados em mais de R$ 900 bilhões, igualmente pela aquisição de títulos do Tesouro para rolagem de nossa gigantesca dívida interna, que atingiu em abril deste ano cerca de R$ 3,988 trilhões (em 2002 era de cerca de R$ 640 bi). Uma parcela de R$ 280 bilhões desse endividamento foi apenas para capitalizar o BNDES, que acabou emprestando a somente uma empresa, a JBS, cerca de R$ 8,1 bi. Desse endividamento total, 23% são detidos por bancos, 22% por fundos de investimento, 25% por fundos previdenciários (16,2% em 2012, variação de 54%), 15% por estrangeiros e 6% pelo próprio governo.  

Quanto aos bancos, uma seleção de 11 bancos registrou um endividamento médio de R$ 7,83 de dívidas para cada R$ 1,00 em depósitos. Quanto à alavancagem financeira média, envolvendo 27 grandes marcas, ficou em 11,36 vezes em relação a seus respectivos patrimônios. Atenção especial para os bancos públicos : - Levam vantagem quanto ao volume de depósitos, por questões de risco, reduzindo o caráter do endividamento. Por outro lado, arriscam-se mais patrimonialmente na concessão de crédito. Para efeito de parâmetro, em 1999 o Banco Marka, do banqueiro Cacciola, após forte desvalorização do Real, devido à mudança de política para câmbio flutuante, foi decretado insolvente. Sua alavancagem patrimonial era então de 12 vezes. 


Em 2008, em algumas semanas, a ajuda financeira entre os EUA e diversos países europeus estancou o que viria a ser catastrófico. Foram cerca de US$ 25 trilhões à época. Somente nos EUA, até 2010, tiveram de ser gastos US$ 12.8 trilhões para que fosse reerguida a economia (fonte : pbs.org). Como exemplo do esforço produzido, o PIB mundial em 2011 foi de US$ 79,39 trilhões. 

Bolhas financeiras, apesar de seu caráter cíclico,  em grande medida originam-se de arroubos de governo na expansão de crédito, gastos e investimentos desmesurados, crescimento estatal e aposentadorias funcionais. Euforias econômicas de governo que repercutem sobre a valorização de empresas e de suas ações, títulos públicos lançados para a rolagem de endividamentos e esquemas Ponzi e corrupção embutida que surgem no esteio de outras euforias derivadas, as financeiras.  


Ao ouvir que qualquer crise financeira seja decorrente de causa capitalista, lembre : - Boa parcela delas sempre terá em sua composição presença massiva de estados mamutes na economia, governos que (mesmo os não comunistas) abraçam a causa democrática (leia-se socialista) e seu fantasioso estado de bem estar social, à base de endividamento. Formulações mágicas keynesianistas voltadas para o crescimento econômico induzido, plataforma de quase todos os governos, seja o viés à esquerda ou à direita. Monarquias, especialmente as parlamentaristas, contrariamente a governos republicanos democráticos (socialistas), apresentam uma dinâmica mais contida. Mas ainda assim não ficam imunes.   

A falência de um banco, que se torna jogo de cena, é o detonador “nuclear”. Dá-se pelo esgotamento do processo de rolagem desses títulos, cuja alavancagem financeira e velocidade acabam superando as bases de suas operações calcadas na economia real. Nos EUA ocorreu no setor de hipotécas imobiliárias, com a falência do Lehman Brothers, Freddie Mac e Fannie Mae, em 2008, enquanto na Grécia o foi a partir dos gastos públicos e déficits previdenciários, levando à insolvência na rolagem de seu endividamento público, iniciada em 2010 (ainda em prosseguimento).
Passados mais de 8 anos da última crise financeira, as economias mais atingidas, como EUA, Europa, Japão e países periféricos, ainda esboçam recuperação. Uma nova cisão nos mercados financeiros globais dificilmente viria a ser totalmente absorvida. Ainda que todos os esforços viessem a ser realizados, o evento de 2008 ainda vem sendo pago. Logo, dificilmente uma resposta anti-colapso seria plena. A China repercutirá o Japão de 1991, de forma multiplicada, somando-se Europa com a maioria de seus governos e sistema bancário endividados. A bomba,  . . .  será nuclear !

Portanto, o momento exige serenidade quanto a investimentos, e acompanhamento sistemático diário. Para uma estratégia conservadora, quem possui ações deve programar-se, estipulando uma meta de margem de variação positiva em relação aos preços atuais até uma data futura próxima, para venda, visando abandonar o barco. Reinvista em ouro, o melhor ativo sempre, a longo prazo.




Eduardo Mendonça de Lima
Aspirante a Oficial pela PMDF, Bacharel em Economia, pós-graduado em Administração Financeira, e em Análise, Elaboração e Avaliação de Projetos, pela FGV-Brasília. Cursou o mestrado em Economia do Desenvolvimento pela PUCRS. Ex-integrante do Geipot (Min. Transportes) e Agência Brasileira de Cooperação (Min. das Relações Exteriores). Atuou em empresas de porte do setor privado. Atualmente é avaliador de Empresas, perito judicial e docente em cursos de pós-graduação em Macroeconomia e Valuation. Ex-Conselheiro do Corecon-RS - 2010-2016.


Thursday 9 March 2017

IR : não correção da tabela, propostas tributárias e desonestidade intelectual

A partir de 1992 até 1994 os valores de isenção eram, em valores atualizados, de R$ 12 mil. Em 1995 sofreram ligeira redução, inexplicável, para R$ 8,8 mil, para, logo em seguida, em 1996, sofrerem novo "reajuste", passando a R$ 10,8 mil, ou cerca de R$ 900,00 mensais de isenção. A questão é que de lá para cá essa faixa de isenção foi reajustada em somente 109,63 %, sendo atualmente de R$ 1.903,98 (ou R$ 22.847,86 ao ano). O IPCA e IGP-M, acumulados no mesmo período, foram de (cálculo meu) 287,1 e 434,0 %, respectivamente, o que importaria num valor de isenção equivalente a R$ 3.514,87 (ou de R$ 4.848,98, se IGP-M). 
O significado ? Supondo proventos na faixa dos R$ 15 mil, com deduções de R$ 3 mil mais a isenção de R$ 1,9 mil, temos è 15 – 3 – 1,9 = 10,10 x 0,275 = R$ 2,78 mil de IR descontados na fonte. Com o valor devidamente corrigido (IPCA e IGP-M, respectivamente) seria :  R$ 2,34 mil de IR descontado, diferença de R$ 440,00/mês (ou R$ 1,97 mil de IR descontado, com diferença de R$ 810,00 – se IGP-M). Em 1 ano, considerando o 13º., o governo tira de você (nesse exemplo) cerca de R$ 5.720,00 (ou R$ 10.530,00 – IGP-M).  
Esse teu dinheiro você necessitará em diversos momentos durante o ano. Desde datas especiais e viagens até necessidades específicas, como aquisições diversas ou pagamentos emergenciais. O que acabará fazendo com que você caia no cheque especial, em algum empréstimo e/ou, pior, cartão de crédito. É justamente nisso que o governo pensa : - Disponibilizar os bancos dele, CEF e BB. 
Vamos até irrelevar a base legal, ou o que é previsto pelo “contrato social”, que é o preço a ser pago por vivermos na acepção de um Estado Nação, na forma de IR : - Tudo bem ! Mas pondere que por conta de uma base legal aceita ele arranca de você 3 vezes, em modalidades não previstas nesse contrato, e que te passam desapercebidamente : - No IR não corrigido, nos empréstimos (de quaisquer naturezas) e nos juros.

Diante desse simples fato de não correção devida da tabela do IR, notório verificar que o custo acaba recaindo sobre os mais pobres, que em vez de estarem isentos, passam a contribuir também. Nesse ínterim, começam a bradar alguns acerca do aumento dos desequilíbrios sociais ou de concentração de renda. E aí começam os estudos, naturalmente pagos com teu dinheiro, em universidades públicas e sindicatos, sobre a acumulação dos bancos e a financeirização da economia. 

Outros vão além, e se reúnem numa entidade chamada Cofecon, e em meio à sandice, párias lançam propostas de reforma tributária sobre heranças (prevendo alíquotas entre 60 a 80%.) e dividendos das empresas (que são o rendimento de um investimento - uma espécie de poupança de longo prazo). Dividendos estes resultantes de esperanças depositadas, que incorreram em riscos os mais diversos, mas que a ajudaram a fazê-la crescer, também investir e gerar empregos.

As mesmas esperanças nos esforços laborais de uma vida tentando deixar alguma melhoria para os filhos. Comunistas não almejam teu bem-estar e o crescimento das empresas e empregos. Se e somente se no Estado (neles) e em suprimir o que é teu.

Para finalizar, tais propostas são, para dizer o mínimo, desonestidade intelectual. Inundam a academia com papers, em que 95% não são lidos. Sinto-me alheiamente envergonhado (honrosas exceções), pois tratam unicamente de uniformizar medidas para "melhorar" e aumentar o Leviatã de Thomas Hobbes, lubricados em teorias as mais diversas. Esse fenômeno típico ocorre em outras ciências também, contaminando e viciando todo o ambiente acadêmico. O leviatã independe de lado, à esquerda ou à direita. Apenas um estribilho deve ser lembrado : Aux armes, citoyens, Formez vos bataillons, Marchons, marchons ! Qu'un sang impur, Abreuve nos sillons !



Eduardo Mendonça de Lima
Corecon-RS 6.502 

Aspirante a Oficial pela PMDF, Bacharel em Economia, pós-graduado em Administração Financeira, e em Análise, Elaboração e Avaliação de Projetos, pela FGV-Brasília. Cursou o mestrado em Economia do Desenvolvimento pela PUCRS. Ex-integrante do Geipot (Min. Transportes) e Agência Brasileira de Cooperação (Min. das Relações Exteriores). Atuou em empresas de porte do setor privado. Atualmente é avaliador de Empresas, perito judicial e docente em cursos de pós-graduação em Macroeconomia e Valuation. Ex-Conselheiro do Corecon-RS - 2010-2016.


Wednesday 14 September 2016

Ética - Parte lll - Filosofia cristã

No período romano (acesse aqui) foi visto que a ética fora duramente influenciada pela decadência política, administrativa e militar, e que além de não ser original e trazer inovação comparativamente à grega, ainda produziu movimentos de filósofos que carregavam todo este arcabouço de declínio da polis romana, permitindo o surgimento e crescimento do cristianismo como corrente filosófica.

Após Roma ter passado por sucessivos e constantes ataques de povos bárbaros, entre 300 e 800 D.C., sendo eles os francos, hunos, visigodos, ostrogodos, burgúndios, saxões, anglo-saxões, vândalos, lombardos e suevos (1), a queda do Império, pelo esfacelamento político e militar foi iminente em 476 D.C.. 

Porém a ética e valores romanos já vinham sendo gradualmente substituídos pelo cristianismo desde o século ll D.C., por meio de movimentos comunitários denominados patrística (2), cuja principal linha de atuação era a defesa da fé. 

Veio, portanto, o cristianismo preencher um vazio deixado pelo Império Romano com sua dissolução.  E consistiu na crença irrestrita às verdades reveladas por Deus aos homens, expressas na Bíblia, por meio da fé. Nesse ínterim destacou-se Santo Ambrósio (340-397 D.C.), que influenciou fortemente Santo Agostinho, em que afirmava : - "Toda verdade, dita por quem quer que seja, é do Espírito Santo".
Santo Ambrosio

Dessa forma, investigações filosóficas ou científicas, embora permitidas, não poderiam contrariar o dogma católico. Como a verdade já havia sido investida por Deus, caberia apenas a demonstração racional dessas verdades. 

Porém, o convencimento dos descrentes pela razão somente poderia se dar por meio do uso da argumentação lógica, que estava presente, por sua vez, na filosofia grega

E dessa forma, pelo uso da filosofia grega, desenvolveu-se o cristianismo por meio de quatro escolas principais :
 - A dos padres apostólicos (Séc. l e ll); a dos padres apologistas (séc. lll e lV); patrística (meados do séc. lV ao Vlll) e escolástica (séc. lV ao XVl).

Santo Agostinho
Na primeira escola, caracterizada pela disseminação do Verbo, destacaram-se os apóstolos, principalmente São Paulo com suas epístolas, bem como Tertuliano, Ambrosio (já citado), Inácio de Antióquia, Clemente, Basílio e outros. 

Já os apologistas, por fazerem apologia do cristianismo, isto é, diferentemente dos apostólicos, procuraram defender sua crença na forma escrita, em vez da simples retórica oral dos padres apostólicos. As eminências foram Orígenes, Justino e Tertuliano.  

A patrística, já mencionada, embora iniciada no século ll, somente em meados do século lV efetivamente consagrou-se, e ao contrário das escolas anteriores buscou conciliar razão e fé, onde teve por protagonista Santo Agostinho, que fez amplo uso da filosofia neoplatônica, em que a verdade deveria ser incessantemente buscada através do "mundo das idéias", bem como no ceticismo, em que a dúvida adquire caráter permanente quanto aos dados dos sentidos, e que mais tarde resultou no Método Científico. 

São Tomás de Aquino
Por fim, a escolástica, que embora antiga, foi amplamente difundida a partir do século Vlll através da Renascença Carolíngia (de Carlos Magno). Este período foi caracterizado pelo estímulo dado às atividades culturais através do ensino de escolas ligadas às instituições católicas, que passaram a divulgar as obras de Aristóteles e demais conhecimentos greco-romanos a cujas obras permaneram guardadas em mosteiros até então. 

O florescimento efetivamente se deu entre as primeiras universidades, a partir dos séculos Xl e Xll. São Tomás de Aquino foi o maior representante dessa escola, em que sistematizou a filosofia cristã pela interpretação da filosofia de Aristóteles, através das traduções dos filósofos árabes Averróis, Avicena e Maimônides (3), com seus escritos sobre o filósofo grego. 

Sua principal filosofia foi o Tomismo, que buscou conciliar a lógica aristotélica e o neoplatonismo com a metafísica, onde em sua obra maior, Summa Theologiae (1273), expõe cinco provas da existência de Deus, as chamadas Cinco Vias
1. Do movimento e primeiro motor; 2o. A causa eficiente; 3o. Ser contingente e ser necessário e ; 4o. Os graus de perfeição; e 5o. O governo das coisas e a finalidade do ser.  O Tomismo, também pautado pelo Ceticismo, sedimentou as bases para a ciência moderna através do método científico.

Uma passagem curiosa sobre São Tomás de Aquino ocorreu em 1248, quando fora acompanhar o catedrático Alberto Magno, ora pertencente à faculdade de Artes da Universidade de Paris, à studium generale (4) de Colônia. Aquino, conhecido por seu espírito introspectivo e calado, era creditado como "devagar" por seus colegas daquela universidade, ao que o catedrático teria dito em sua defesa :
-  "Vocês o chamam de boi mudo, mas em sua doutrina ele produzirá um dia um mugido tal que será ouvido pelo mundo afora".

Em resumo, no Cristianismo somente por meio do autoconhecimento é possível ao ser-humano, com sua alma iluminada por Deus, atingir a verdade. Ou seja, a verdade somente existe se revestida em Deus. Diferentemente da ética greco-romana, em que para o atingimento da verdade bastava uma vida virtuosa, pelo conhecimento, austeridade física e moral.  

Em função de várias rupturas no decorrer do período medieval (como a Guerra dos 100 anos, a peste bubônica, o cisma da igreja, a criação de novas universidades e a autonomia da filosofia da teologia), que puseram fim ao período medieval, bem como o pós-tomismo, de Guilherme de Ockham, que designou uma separação entre fé e razão, a escolástica foi superada, dando início a um novo período da ética na Idade Moderna, de meados do séc. XV ao XVlll.




(1) - A maioria dessas tribos provinha das regiões da atual Alemanha, Polônia, Dinamarca e países nórdicos, tendo sido os germanos de maioria massiva; 

(2) Trata-se de filosofia cristã que este nome recebeu em função de que foi elaborada pelos primeiros padres ou pais da Igreja Católica, consistindo, portanto, de tudo o que provém dos primeiros teóricos dessa filosofia. E consistiu numa elaboração doutrinal de “verdades de fé” do cristianismo para defesa contra os ataques dos pagãos e hereges que se contrapunham à igreja;

(3) - Esses filósofos tiveram atuação importante na disseminação do conhecimento grego na península Ibérica, em razão da invasão e influência moura sobre esta região a partir do séc. VI;

(4) - No período medieval, era um título concedido a universidades e institutos de ensino pela Igreja Católica, reis e imperadores, ficando dessa forma prestigiados no continente europeu e considerados de excelência internacional. 



Eduardo Mendonça de Lima
Corecon-RS 6.502 
Aspirante a Oficial pela PMDF, Bacharel em Economia, pós-graduado em Administração Financeira, e em Análise, Elaboração e Avaliação de Projetos, pela FGV-Brasília. Cursou o mestrado em Economia do Desenvolvimento pela PUCRS. Ex-integrante do Geipot (Min. Transportes) e Agência Brasileira de Cooperação (Min. das Relações Exteriores). Atuou em empresas de porte do setor privado. Atualmente é avaliador de Empresas, perito judicial e docente em cursos de pós-graduação em Macroeconomia e Valuation. Ex-Conselheiro do Corecon-RS - 2010-2016.

Saturday 4 June 2016

Ética - Parte II - Romana

Dando continuidade (primeiro artigo acesse aqui), pode ser destacado que o apogeu grego apresentou fortes influências sobre os principais pensadores clássicos : - Aristóteles, Platão, Sócrates. O período que vai de aproximadamente o século VII A.C. a 150 A.C. é pródigo na produção de conteúdo. 


Porém, inserido nesse período maior está o Helenismo, que compreende o interregno entre a morte de Alexandre, em 323 A.C. até a completa anexação desse império pelos romanos, em 146 A.C.. Nesta fase de transição, que significou a difusão da cultura grega, do Mediterrâneo até a Ásia Central (próximo à Índia), significou a concretização de se levar essa cultura aos territórios que eram conquistados.  Nesse período a ciência, por meio de Euclides e Arquimedes, teve seu primeiro desenvolvimento.  Sob a égide do império romano, as cidades gregas perdem sua autonomia, e seus exércitos submetem-se ao invasor ficando adstritos a funções administrativas. Restam frustradas, portanto, a questão política e sua democracia, em função da tirania e corrupção, pois a "polis" grega é subvertida por meio do emergente intercâmbio comercial influenciado por Roma.  A fragmentação do império helênico ocorre de forma mais rápida do que fora sua formação.

Vendo frustradas as possibilidades políticas, a democracia corrompida pela tirania, a pólis submetida pela força a um cada vez maior intercâmbio comercial e com influências do Oriente helenizado, e com seus exércitos sob jugo do conquistador, a filosofia grega entra em declínio, onde acaba ocorrendo um retorno ao misticismo (o que geralmente ocorre em épocas de crise), ao mesmo tempo que cria um tipo de sentimento de pessimismo e justificação, resistência e negação da realidade em que vive. Isso explicaria os diversos movimentos de idéias e seitas morais que surgem nesta época (século II a.C.), nas diversas cidades gregas: - O estoicismo, o epicurismo, o pirronismo, o ceticismo e o cinismo.

 
A Ética Romana 
A ética grega produziu enormes reflexos, por ser universalista e etnográfica (devido à expansão territorial). O cidadão grego nesse período começou a refletir sobre a vida pública e consigo mesmo, exatamente o que acontecia às suas cidades (ausência de autonomia, altos impostos, exército sob jugo e em funções administrativas), desencadeando um processo de descrença em seus mais caros valores edificados. Para compensar sua frustração, refugia-se no misticismo e num conceito de "indivíduo" como medida compensadora à sua perda de liberdade pessoal e política, acreditando numa felicidade redentora.

Zenão de Cítio
Os romanos acabaram influenciados por essa apatia grega, não conseguindo reproduzir o brilho dos gregos com nenhuma corrente de pensamento original ou inovadora, limitando-se tão somente à moral (com a adoção dos valores gregos e da filosofia do período helenístico, que prezavam). A população mais simples inclinou-se para a religião e ao misticismo, em meio à inúmeros deuses, enquanto a população mais culta voltou-se para a filosofia. Ativeram-se apenas a um conjunto de escolas e seitas filosóficas cujo elemento era o Koiné (1), que promovia a reunião (sincretismo) das doutrinas grega, romana, judaica e oriental, em que os filósofos romanos mais destacados teriam sido Sêneca (4 a 65 d.C);  Epiteto (55-135 D.C.)Marco Aurélio - imperador romano (161 e 180 d.C.), que escreveu Meditações, destacando-se assim no campo da filosofia, e Apuleio (125-180 D.C.).  

O pouco que produziram refletiu esse sentimento de decadência, impulsionados também pela própria crise de identidade romana conflagrada pela corrupção administrativa e política, bem como pelo próprio estilo degenerado de vida difundido na sociedade, como bem demonstrado pela obra Satiricon, de Petrônio.  estoicismo teve por protagonista Zenão de Cítio (336-263 A.C.), e pregava auteridade física e moral face aos sofrimentos e males do mundo, a chamada apathéa. O atingimento de uma serenidade perante o que nos circunda consoante uma "lei universal do cosmos" que rege a vida. 


Sêneca
Também Sêneca representou essa linha filosófica. Conselheiro de Nero nos primeiros sete anos como imperador romano, foi considerado modelo, vindo a influenciar no desenvolvimento da tragédia na dramaturgia européia renascentista. Tendo sido contemporâneo de Jesus Cristo, conheceu o apóstolo Paulo (Saulo), que era cidadão romano, com quem trocou cartas, cujo intercâmbio teria influenciado na assimilação pelos cristãos, no início do cristianismo, dos princípios estóicos defendidos por Sêneca, observados inclusive em muitas passagens bíblicas, através das metáforas. Tendo se interessado por fenômenos da natureza, tais cartas foram intituladas "Questões da Natureza".
Epicuro


epicurismo, trazido por Epicuro (341-371 A.C.) destacava a procura pelo prazer duradouro, somente proporcionado por uma conduta virtuosa, em que a o supremo prazer seria a natureza intelectual pelo controle dos excessos, das paixões. Assim era atingida a ataraxia, que consistia num estado de espírito de quietude, serenidade, de ausência de dor (aponia), de imperturbabilidade da alma. Foi a base para o hedonismo, linha filosófica que não distinguia os tipos de prazeres. pirronismo, foi formulado por Pirro de Élida - ou Elis - (365-275 A.C.), mas somente fundada no séc. I D.C., mas somente fundada no séc. I D.C. por Enesidemo de Cnossos (2). Prega que nenhum conhecimento é considerado seguro devido a uma incerteza, que seria imanente. O conformismo com o imediato observado pelos sentidos, a aparência das coisas e a vida em felicidade e na paz deviam ser preferidas em vez de uma busca por uma verdade  plena, pois esta seria impossível de efetivamente ser percebida pelo homem como assim lhe parecem.  

Pirro de Elis
Dessa forma, o pirronismo deu origem ao ceticismo (ou cepticismo), que professa a impossibilidade do conhecimento com uma verdade absoluta, caracterizando uma atitude de questionamento diante do conhecimento, de fatos, opiniões ou crenças estabelecidas. Passam a privilegiar o conhecimento com base no empirismo, nas evidência, e dessa forma essa corrente filosófica lança as bases do método científico como assim o conhecemos hoje. 
Antístenes

cinismo teve origens muito antes das demais linhas filosóficas, com Antístenes (445-365 A.C.), discípulo de Sócrates, ao final do século V A.C.. E estendeu-se até ao final do século V D.C, tornando-se um movimento de massa. Proveniente do termo grego kynos ("cão"), essa linha exalta as qualidades dos cães para propor uma forma de conduta humana : - Comem, dormem, procriam, fazem guarda, tudo em público, sendo dessa forma indiferentes a tudo que os cerca. Como animais, são exigentes, distinguindo entre os amigos e inimigos. Com todas essas característica, adotaram tais qualidades como pressuposto de vida em defesa da filosofia. O objetivo era atingir-se a eudaimonia (felicidade) vivendo como cães, sem conforto ou propriedades. 

Diógenes - pintura de Jean-León Gérôme - 1860

Eram extremistas quanto à filosofia de Sócrates de conhecer-se a sí mesmos. Diógenes de Sinope (412-323 A.C) foi quem levou tal filosofia mais arraigadamente, vivendo em um barril, com trapos em seu corpo e pregando pelas ruas de Atenas. Certa feita, Alexandre Magno, entrando em Atenas como conquistador com seus militares, encontrou-o em seu barril, tomando seu banho de sol. Fazendo-lhe sombra, perguntou-lhe o que desejava, que lhe seria concedido qualquer desejo; Diógenes limitou-se a responder que apenas não lhe fosse tirado o que Alexandre não o pudesse dar : 
Sou Alexandre, aquele que conquistou todas as terras. Peça-me o que quiser que eu lhe darei. Palácios, terras, honrarias, escravos ou tesouros jamais vistos. O que você quer, ó Sábio?”; 
-“Senhor, apenas não tire de mim o que não pode me dar”. (3)

O encontro entre Alexandre e Diógenes
Alexandre deixou Atenas sem nunca mais retornar, afirmando entre seus oficiais que : - "Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes"  O cinismo, como o desenvolvido por Diógenes,  foi um precedente para o desenvolvimento do anarquismo filosófico (primeiramente originado dos escritos de Aristóteles), cujas propostas, de ausência de moralidade e ilegitimidade dos governos, entre outros anti-valores, coincidiram e tiveram fulgor cada vez mais com o declínio de Roma, dando origem ao surgimento e crescimento paulatino do cristianismo.



(1) - koiné foi o primeiro dialeto comum supra-regional na Grécia, e chegou a servir como um lingua franca no Mediterrâneo Oriental e no Antigo Oriente, próximo ao longo do período romano. Foi também a língua original do Novo Testamento da Bíblia e da Septuaginta (tradução grega das escrituras judaicas). O koiné é o principal ancestral do grego moderno;

(2) - Essa corrente filosófica foi retomada na na idade média com Al-Ghazali (1058–1111) e  René Déscartes (1596-1650);

(3) - Segundo Raposo, Carlos (2009) - em https://scribatus.wordpress.com/2009/05/11/alexandre-e-diogenes-o-grande-e-o-cinico/




  

Eduardo Mendonça de Lima
Corecon-RS 6.502 

Aspirante a Oficial pela PMDF, Bacharel em Economia, pós-graduado em Administração Financeira, e em Análise, Elaboração e Avaliação de Projetos, pela FGV-Brasília. Cursou o mestrado em Economia do Desenvolvimento pela PUCRS. Ex-integrante do Geipot (Min. Transportes) e Agência Brasileira de Cooperação (Min. das Relações Exteriores). Atuou em empresas de porte do setor privado. Atualmente é avaliador de Empresas, perito judicial e docente em cursos de pós-graduação em Macroeconomia e Valuation. Ex-Conselheiro do Corecon-RS - 2010-2016.